sábado, 13 de setembro de 2008

Desonrada, de Mukhtar Mai







Tenho lido muito coisa no campo de estudos de gênero e sempre sou surpreendida por uma perspectiva diferente ou uma reflexão inovadora, muito embora alguns desavisados questionem se ainda é necessário tratar da questão feminina no mundo de hoje. Resisto em declarar-me feminista, já que não milito em movimento de mulheres, mas convivo com muitas feministas militantes que pautam suas ações em teorias feministas muito lúcidas, atentas a outras questões que estão emaranhadas no debate de gênero, como as desigualdades de raça e de classe. Assim, procuram fugir do padrão de feminismo higienizado de outrora, escrito por mulheres brancas e burguesas. Uma das questões mais interessantes do feminismo teórico é que ele jamais será meramente teórico, já que é na vivência que ele se estrutura e se reescreve. Por isso, as pesquisas feministas e de gênero, no Brasil, focalizam os problemas típicos da realidade brasileira, dos diferentes Estados da Federação e das diversas comunidades, urbanas ou rurais. Seja no espaço público ou privado, o debate de gênero se impõe como necessário para compreender a própria dinâmica do cotidiano brasileiro.

Há, no entanto, algumas questões relacionadas às mulheres que, mesmo não compondo a realidade brasileira, tornam-se universalizados e precisam ganhar mais visibilidade, como é o caso das mulheres do Afeganistão. O livro Desonrada, nesse sentido, marcou sobremaneira a minha percepção acerca da questão feminina. Escrito em primeira pessoa, o livro narra a absurda situação vivida por Mukhtar Mai, violentada por quatro homens de um clã vizinho ao seu, nas longínquas montanhas do Afeganistão. Motivo? Pagar por uma "falta" de seu irmão mais novo, que ousou conversar com uma jovem do tal clã. É impossíve não se emocionar ao trilhar cada linha dos relatos de superação pessoal do trauma vivido e de luta para que episódios como aquele não aconteçam mais. Sem adentrar em detalhes sobre a violência que sofreu, Mukhtar Mai nos apresenta uma narrativa muito sensível sobre os tortuosos caminhos na busca pela justiça e demonstra uma grande generosidade pessoal ao transformar a dor vivenciada em um ativismo feminista, que tem como marco inicial a criação de uma escola para meninas, coisa inexistente na região, até então. Longe de qualquer teorização da condição feminina no mundo contemporâneo, o livro coloca o leitor diante de uma realidade concreta e permite um olhar mais amplo e profundo sobre dramas humanos que nós, ocidentais, ignoramos. Fica aqui a recomendação de leitura.

2 comentários:

Jomery Nery disse...

Elaine,
compartilho totalmente com suas ideias feministas, ao passo que se tronam minhas também. Realmente a teoria feminista não tem nada de feminista, as barreras derrubadas diuturnamente pelas mulheres são muito mais reais do que os caprichos machistas.
por isso "ser um homem feminino, não mede o lado masculino".
Bjo

Ruth Vasconcelos disse...

Elaine,
Estou curiosa para ler este livro já comentado por você pessoalmente. Alguns relatos de dramas e tragédias humanas podem ser canais para enriquecermos nossa própria humanidade. Acredito que contactando com esses dramas humanos temos mais uma chance de nos humanizarmos, nutrindo nossa capacidade de ter compaixão para com o outro, mesmo que seja uma pessoa desconhecida. Quero ler com urgência. Beijo, Ruth.