Uma vez me disseram que em Alagoas as pessoas morrem de tudo, menos de monotonia. De imediato achei essa afirmação de um humor um tanto duvidoso, mas a cada dia sou convencida de que é mais ou menos assim que as coisas acontecem. Os sucessivos episódios de um cotidiano conturbado e marcado pelas mais variadas expressões da violência nos colocam em constante sobressalto, sobretudo pela gravidade dos fatos em si.
Duas situações absurdas marcaram as nossas últimas semanas. Primeiro a brutalidade sofrida pelo estudante Fábio Acioli, que, além de covardemente espancado, teve 80% do seu corpo queimado. Independentemente do que concluir a polícia sobre as motivações do delito – se sequestro relâmpago ou crime passional – não há como minimizar uma incivilidade dessa natureza. Se esse tipo de violência, que brota das vicissitudes da complexa vida em sociedade já nos causa tanto espanto, o que dizer quando a própria ação do Estado, através de sua polícia, nos revela os paradoxos da (in)segurança pública?
O que se passou na Parada Gay em Penedo não encontra qualquer justificativa razoável. Arrastar um ser humano pelos cabelos e jogá-lo de rosto no chão quando outras medidas de retenção estão ao alcance da autoridade policial é inconcebível, mesmo diante de provocações ou insultos. Uma ação desproporcional como essa nos faz questionar que tipo de profissional temos nas ruas a serviço da comunidade. Qual o preparo emocional e técnico de alguém que exaspera em suas ações, sobretudo quando minorias como os homossexuais estão implicados no processo?
Entendo que a essência do Estado de Direito consiste no controle das pulsões humanas para que a vida em sociedade se faça possível. Foi para isso que o Estado foi criado. Essa estrutura racionalmente articulada que tomou para si o direito de punir não pode se transfigurar em uma ameaça aos próprios cidadãos. Não podemos esquecer que, nestes últimos anos, a Polícia Militar de Alagoas passou a ser reconhecida nacionalmente pela formação humana, cidadã e pacífica de seu contingente. Tolerar qualquer afronta à dignidade humana significa negar essa conquista tão cara à nossa história recente.
Publicado na Gazeta de Alagoas em 30/08/2009 (http://gazetaweb.globo.com/v2/gazetadealagoas/texto_completo.php?cod=152019&ass=37&data=2009-08-29)
4 comentários:
Minha filhotinha,como sempre, amei seu artigo,é lamentável tantos acontecimentos tristes e desagradáveis acontecendo em nosso Estado,é necessário um grito de alerta,quem sabe um dia será ouvido.Gostei do título "Deus nos acuda!"Tenho certeza que a Providência Divina está em ação, pois somente Deus para acender as lamparinas dos cérebros humanos,eu digo, entreguemos em "SUAS MÃOS".Beijos da Mamãe...
O artigo está ótimo, como sempre. No caso específico de Alagoas, no entanto, casos como esse de Penedo expõem as vísceras de um Estado que, na contramão de sua concepção ideal, desde a sua formação serve muito mais à alimentação desenfreada dos desejos (alguns inconfessáveis) de um pequeno grupo do que propriamente como freio às pulsões individuais de todos. Em certos episódios, Alagoas nos evidencia, da forma mais crua que existe, como pode ser totalmente fictícia a idéia de civilização e/ou de pacto social.
Pois é, Elaine, infelizmente mais uma tragédia em nosso Estado! Até quando conviveremos com isso? Rezar para não ser o próximo da vez é a solução? Fica aqui minha tristeza!
Querida Elaine,
mais uma vez você nos presenteia com reflexões tão lúcidas, demonstrando, com delicadeza, a sua indignação diante de tantas perversidades sociais que expressam, na verdade uma cultura de violência em nosso Estado. É desconfortável saber que são seres humanos que cometem essas atrocidades; assim como é inquietante saber que não consolidamos práticas democráticas e de respeito aos direitos humanos em nossas instituições policiais. São lamentáveis os fatos, mas nós, defensores(as) da vida, não podemos nos curvar nem calar diante de tal realidade. Se perdermos a esperança de viverciarmos a plenitude do Estado Democrático de Direito em Alagoas, corremos o risco de perdermos nossa capacidade de indignação. Se é assim: demonstremos nossa indignação com a esperança de que possamos construir uma sociedade mais justa e que respeite a dignidade humana incondicionalmente. Estamos juntas neste movimento em defesa da vida. Beijo, melhoras rápidas. Ruth.
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