Os antropólogos têm uma forma muito especial de lidar com seus objetos de estudo. Comprometidos em estreitar o contato com as comunidades que pesquisam, mergulham no cotidiano das pessoas, observam e vivenciam rituais e práticas. Por isso, implicam-se facilmente na formulação das conclusões a que chegam, sem qualquer temor do uso da primeira pessoa do singular em seus textos. Dentre as várias técnicas de pesquisa que utilizam, a observação parece ser uma das mais importantes, pois permite que a percepção do pesquisador, agregada a todos os elementos culturais que o compõem, seja mediadora de uma leitura particular daquela realidade. Por isso, um dos instrumentos fundamentais do antropólogo é o caderno de campo. Ali, ele tem a possibilidade de narrar as experiências vividas na pesquisa de campo, registrando cada fato observando, bem como impressões e sensações que aquilo causou nele. As narrativas de um antropólogo costumam ser iniciadas com a descrição da relação existente entre ele e o tema que pesquisa. Por que aquilo despertou o seu interesse? Como você está inserido no contexto da comunidade que pesquisa? Que elementos identitários o levam a pesquisar esse tema? As respostas a esses questionamentos podem estar presentes no produto final da pesquisa - Dissertação ou Tese, por exemplo - , mas certamente compõem, por si só, um texto bem interessante. Uma amiga minha, pesquisadora da Paraíba, costuma dizer que os antropólogos são mais felizes que os sociólogos. Sempre achei essa afirmação muito curiosa. A justificativa é que a Sociologia tem um apego maior a teorias e epistemologias que, segundo ela, tendem a engessar o pesquisador. Contrariamente, a falta de apego a orientações teóricas quase matemáticas levam antropólgos a manter uma relação mais leve com seu objeto de pesquisa. A "felicidade", portanto, é uma consequência da postura da pesquisador, intrinsecamente ligada a sua postura diante da própria vida. Esse tipo de perspectiva causaria espanto em qualquer defensor da neutralidade axiológica na ciência. Essa suposta neutralidade, diga-se de passagem, é uma das maiores falácias que a humanidade já criou (escreverei sobre isso em outra oportunidade). É curioso notar que a os sociólogos já começam a se apropriar (no melhor sentido da expressão) dessas práticas de pesquisa que os antropólogos há tanto tempo utilizam. As barreiras metodológicas entre Sociologia e Antropologia tendem a diminuir, de modo que haja maior integração no uso de técnicas de pesquisa. Posso testemunhar isso através da pesquisa que estou desenvolvendo para o Doutorado, cujo objeto são mulheres que cumpriram pena em regime fechado no Estabelecimento Prisional Feminino Santa Luzia, em Maceió. Depois de selecioná-las a partir da análise dos prontuários (em andamento), tentarei entrevistar as ex-presidiárias em seus próprios ambientes domésticos e de trabalho (a esse respeito, já me deram uma série de conselhos, já me recomendaram cuidado, já me mandaram rezar!). Mas estou otimista. Acho que será uma experiência inesquecível, como já está sendo o próprio contato com o sistema de catalogação, identificação e anotação da vida carcerária das presidiárias, nos órgãos administrativos do Sistema Penitenciário Alagoano, onde desenvolvo a pesquisa. Com meu diário de campo em mãos, faço anotações desde o primeiro dia da pesquisa de campo. Ali registro fatos, diálogos, impressões e sentimentos que vivencio durante em campo. Daqui para o fim da pesquisa terei, certamente, vários caderninhos preenchidos (já que escrever é comigo mesmo!). Ao término da redação da Tese, terei um texto paralelo sobre os bastidores da pesquisa. Alguns dados e fatos poderão estar presentes no texto final da Tese. Outros, de jeito nenhum! Quem sabe meu diário de campo não terá um destino mais interessante ainda?
quinta-feira, 21 de maio de 2009
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6 comentários:
E os juristas? São felizes ou tristes? =)
Eu estava esperando essa pergunta, sabia? Escreverei sobre isso amanhã, em sua homenagem, caro amigo Bruno Jorge. Beijo.
Ótimo texto Elaine. Não sei quem é mais feliz, mas acho sociólogos mais distantes do objeto. De outro lado, antropólogos tendem a abandonar seus referenciais em favor do contato direto com o objeto pesquisado, né não? é só uma impressão minha...
Abraços.
Bom vê-lo por aqui, Adrualdo! Minha experiência na Sociologia me leva a pensar que essas diferenças estão realmente menores a cada dia. Há toda uma tendência da Sociologia eminentemente teórica, interessante por sua própria essência epistemológica. Mas, na minha opinião, o empírico (sobretudo o contato com o HUMANO) é que torna a Sociologia mais real e, nesse sentido, aproxima-se muito da Antropologia. Ambas, inclusive, têm muito o que contribuir para a pesquisa no Direito. Escreverei sobre isso em breve. (Estou muito empolgada com a minha pesquisa de campo e isso me deixa inspirada para escrever!) Abraço!
Aguardo, com ansiedade, o subproduto da tese!
Bjs
Amiga meus parabéns pelo seu trabalho no seu Blog. Sou de Recife-PE., e adorei essa sua grande obra. Sou seguidor e espero que vc tb seja minha seguidora do meu Blog. Um abraço de: Manoel Limoeiro.
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