Sucessivos escândalos no cenário político nacional, seguidos de polêmicas decisões do Poder Judiciário, nos revelam os contrastes do sistema de justiça penal no Brasil. Enquanto políticos e grandes empresários investigados por fraudes e desvios de milhões de reais respondem a processos em liberdade, no sistema penitenciário alagoano dezenas de mulheres e homens permanecem presos durante a instrução processual penal por pequenos delitos, a exemplo de furtos de cosméticos e remédios em farmácias.
É certo que diversos fatores contribuem para essa realidade. O acesso a uma defesa qualificada talvez seja o mais significativo. No entanto, não se pode perder de vista que essa desproporção está no âmago da descrença de nossos cidadãos no sistema de justiça vigente, acentuada por uma forte sensação de impunidade.
O rigor na aplicação da lei para réus anônimos, que sequer possuem RG, CPF ou CTPS e a tolerância com relação aos chamados crimes de colarinho-branco parecem estar presentes no imaginário popular.Por que crimes cometidos por organizações criminosas que atuam principalmente no Poder Legislativo e a criminalidade difusa, protagonizada por anônimos não têm o mesmo impacto social?
Por que pessoas que cometeram atos de corrupção circulam livremente e são até homenageadas e aplaudidas em determinados espaços sociais, enquanto a população clama por penas mais rígidas e tratamento cruel para os nossos pequenos delinquentes? É evidente que não tenho a resposta, mas posso sinalizar algumas reflexões.
Vivemos em uma sociedade marcada pelas distinções entre as pessoas. A igualdade, inclusive legal, é uma das maiores utopias que a humanidade já criou. Como nosso sistema de justiça é mediado por interpretações das normas diante de casos e pessoas concretas, sempre haverá a possibilidade de relativizar, inclusive, a gravidade de delitos praticados por sujeitos pertencentes a determinados segmentos sociais.Dois pesos e duas medidas? Sim.
Publicado na Gazeta de Alagoas em 09/07/09 (http://gazetaweb.globo.com/v2/gazetadealagoas/texto_completo.php?cod=149416&ass=37&data=2009-07-09)
3 comentários:
Elaine, com a humildade de quem não tem formação em direito, teço aqui algumas considerações.
Parece-me que você está correta quando diz que o principal motivo para que encontremos dezenas de encarcerados por pequenos delitos é pelo fato destes não terem acesso a uma boa defesa, por meio de um advogado.
Mas eu discordo que não ocorra "igualdade" ou tratamento diferenciado. Ora, o que há, como você destacou é o desconhecimento da lei e a ausência de um advogado.
Assim, se há infratores gozando de liberdade apesar de graves delitos cometidos isto se deve às leis que temos e aos protocolos processuais, os quais garantem um sem-número de recursos e chicanas de toda ordem que possibilitam que os julgamentos demorem uma eternidade.
E, mesmo que o cidadão seja condenado, ainda assim os artifícios legais possibilitam o abrandamento das penas. Ora, que eu saiba o Brasil é o único país do mundo em que o tempo decorrido em encarceramento temporário ou provisório é descontado da pena! E isso, é o mínimo.
Vejamos um caso concreto, aqui mesmo na nossa cidade. Faz alguns anos um rapaz invadiu, junto com um comparsa, a casa de uma professora, a espancou, torturou, estuprou e matou. O crime chocou a cidade. Depois, soube-se que o criminoso era filho de um delegado, mas, aparentemente, a família não era daquelas que nadam em dinheiro, como, por exemplo, a família Sarney.
O comparsa foi assassinado antes do julgamento, mas o filho do delegado foi julgado e condenado, suponho a 17 anos. Pois bem, passados 3 anos de prisão, o juiz Marcelo Tadeu achou por bem liberar esse rapaz por ele já ter cumprido 1/6 da pena, conforme aquilo que prescreve o código penal brasileiro.
A liberação, portanto, foi perfeitamente legal. Uns meses atrás, esse rapaz apareceu morto num matagal, dizem, por conta de de problemas com traficantes.
Veja só Elaine, nesse caso específico a lei foi cumprida em todos os seus trâmites. Mas, diga-me você acha que quem comete um crime dessa natureza pode sair depois de 3 aninhos encarcerado?
Não há, portanto, desigualdade, o que há é desconhecimento dos direitos e dos benefícios que qualquer infrator goza aqui nesse país. Rigor? Só se você desconhecer a lei ou não contar com um advogado. Aqui, só fica preso quem quer, seja pobre, seja rico.
Georgina de Freitas ficou 5 anos presa (salvo engano, mas a pena foi ridícula) por ter roubado uma bolada do INSS. Valeu, literalmente, a pena. Esse, definitivamente, não é um país sério, a começar por suas leis e códigos processuais feitos, sobretudo, pensando em beneficiar o infrator.
Diminuir a liberdade e impor limites é uma terefa difícil, principalmente quando se trata de seres humanos. O preço que se paga pela paz e pela harmonia é, sem dúvida, a maior dificuldade na manuntenção do pacto social.
A lei, tem que perseguir o bom acreditando que essa seja a regra, que o ruim, o errado, é a exceção. Daí, ficar preso, ser condenado, é a exceção, porque a sociedade em sua natureza é livre.
Talvez, os recursos, as "brechas" da lei se apresentem como uma possibilidade de retorno ao normal, ao esperado. Acredito que, por vezes, é disso que se tem a falsa idéia de que "a lei favorece bandido".
Como a Elaine falou, há de fato dois pesos e duas medidas, mas, essa medição errônea não está na lei, no espírito da lei, talvez nas instituições, na carência de defesa qualificada, no sistema podre que não respeita probidade nem balanças e martelos.
O conceito de justiça é complexo, uma vrz que nem sempre uma condenação significa fazer justiça, significa cumprir a lei e só.
A justiça está longe de ser alcançada plenamente na fundamentação de uma sentença.
Acredito, que as vantanges e impunidades alcançadas andam de mãos dadas com o poder, quer seja em sifras, quer seja em influência política, que no final das contas, cai no dinheiro novamente. Culminando com uma tolerância desrespeitosa, que "homenageia e aplaude".
Com a falta de acesso a defesa qualificada; com a distinção entre as pessoas, há de fato dois pesos e duas medidas, no ato de julgar, na forma de julgar, não na lei.
Madalena, quem falou que os "dois pesos, duas medidas" está na lei? Apenas disse que só há UMA medida, e esta é a da lei, que, infelizmente, é chega de brechas, subterfúgios que favorecem os infratores. Se assim não fosse, não seríamos o país da impunidade. Diga-me, conheces alguma democracia séria, desenvolvida em que um estuprador e assassino receba como punição por crime tão grave apenas 3 anos de cadeia? Se um crime de tal gravidade recebe pena tão branda, imagine delitos que não impliquem em tortura, violência e morte?
Só não consegue ver que há algo profundamente errado com as leis e os códigos de processo no país quem não quer. Aqui todo e qualquer cidadão se sente órfão de direitos que são respeitados em qualquer democracia do mundo. Quando falo isso, quero ressaltar que não bastar ter uma lei sobre determinada questão, mas que essa lei seja inteligente e a justiça, sobretudo, se faça de maneira célere.
Ora, sei que aqui quando o réu é condenado a uma pena maior do que 17 anos ele tem direito a novo julgamento! Automático! Isso é um completo absurdo, penso que é mais uma de nossas "joboticabas".
Não há democracia sem justiça célere e disponivel a todo e qualquer cidadão. Mas fazer o que quando o Estado brasileiro é o primeiro a desrespeitar a justiça e tratar os cidadãos como palhaços.
Muito se fala da precariedade das cadeias, da falta de estrutura. Mas à raiz do problema ninguém desce. E qual é esta "raiz"? É que por essas bandas ainda não sabemos direito o que é democracia e o peso que deve ter os direitos dos cidadãos para que essa se efetive. Quer ver um exemplo do quão tosco é esse país? É a própria constituição, que desce a um nível de detalhamento próprios das legislações complementares. Um exemplo? O que diabos faz uma questão como os precatórios na Constituição? Essa é uma amostra gritante, um exemplo claríssimo do que é o Estado brasileiro, um estado "macunaímico", capaz de fazer do calote um princípio constitucional! (os detalhes dessa questão podem ser encontrados num artigo de Saulo Ramos em: http://mariotblog.blogspot.com/2009/05/devo-nao-nego-pago-daqui-35-anos-quem.html). Uma coisa desse tipo, chega a ser surreal, psicodélica, coisa de teatro do absurdo uma estrovenga dessas na constituição de qualquer país. E o pior é que algo dessa gravidade passa batido, sem que quase ninguém dê um pio, nem chame a atenção para a gravidade do fato.
As leis e justiça - da forma como devem ser administrada em qualquer democracia - nesse país andam muito distantes do cidadão (qualquer cidadão) e da realidade. Enquanto estivermos nos enganando com justificações "acadêmicas" para absurdos de tal monta, não sairemos do lugar.
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