domingo, 30 de agosto de 2009

Deus nos acuda!

Uma vez me disseram que em Alagoas as pessoas morrem de tudo, menos de monotonia. De imediato achei essa afirmação de um humor um tanto duvidoso, mas a cada dia sou convencida de que é mais ou menos assim que as coisas acontecem. Os sucessivos episódios de um cotidiano conturbado e marcado pelas mais variadas expressões da violência nos colocam em constante sobressalto, sobretudo pela gravidade dos fatos em si.

Duas situações absurdas marcaram as nossas últimas semanas. Primeiro a brutalidade sofrida pelo estudante Fábio Acioli, que, além de covardemente espancado, teve 80% do seu corpo queimado. Independentemente do que concluir a polícia sobre as motivações do delito – se sequestro relâmpago ou crime passional – não há como minimizar uma incivilidade dessa natureza. Se esse tipo de violência, que brota das vicissitudes da complexa vida em sociedade já nos causa tanto espanto, o que dizer quando a própria ação do Estado, através de sua polícia, nos revela os paradoxos da (in)segurança pública?

O que se passou na Parada Gay em Penedo não encontra qualquer justificativa razoável. Arrastar um ser humano pelos cabelos e jogá-lo de rosto no chão quando outras medidas de retenção estão ao alcance da autoridade policial é inconcebível, mesmo diante de provocações ou insultos. Uma ação desproporcional como essa nos faz questionar que tipo de profissional temos nas ruas a serviço da comunidade. Qual o preparo emocional e técnico de alguém que exaspera em suas ações, sobretudo quando minorias como os homossexuais estão implicados no processo?

Entendo que a essência do Estado de Direito consiste no controle das pulsões humanas para que a vida em sociedade se faça possível. Foi para isso que o Estado foi criado. Essa estrutura racionalmente articulada que tomou para si o direito de punir não pode se transfigurar em uma ameaça aos próprios cidadãos. Não podemos esquecer que, nestes últimos anos, a Polícia Militar de Alagoas passou a ser reconhecida nacionalmente pela formação humana, cidadã e pacífica de seu contingente. Tolerar qualquer afronta à dignidade humana significa negar essa conquista tão cara à nossa história recente.

Publicado na Gazeta de Alagoas em 30/08/2009 (http://gazetaweb.globo.com/v2/gazetadealagoas/texto_completo.php?cod=152019&ass=37&data=2009-08-29)

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Convite - 4º Ato Ufal em defesa da vida





Transcrevo abaixo o convite feito pela Profa. Ruth Vasconcelos (PROEST)para o 4º Ato do Programa Ufal em defesa da vida. Desta vez serão discutidos os efeitos da mídia e da violência no tecido social, com especial destaque à exposição excessiva da violência na mídia, aos jogos eletrônicos e à internet no processo de produção da violência e à responsabilidade de mídia na produção de uma cultura de paz. Imperdível!
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Caros(as) Colegas, Estudantes, Gestores(as) e Parceiros(as) do Movimento em Defesa da Vida,

A PROEST estará realizando no dia 26/08/2009, às 9:30hs, no antigo Auditório do CSAU, o 4º ATO do Programa UFAL EM DEFESA DA VIDA. Discutiremos, desta vez, a relação da Mídia com a Violência e seus efeitos no tecido social.

Divulguem, participem e colaborem para a construção de uma NOVA CULTURA POLÍTICA em nosso Estado.

Contamos com a sua presença e efetiva participação!

Atenciosamente,

Ruth Vasconcelos.
Coord. de Política Estudantil da PROEST/UFAL.

domingo, 16 de agosto de 2009

Refugo humano

Há um sociólogo polonês chamado Zygmunt Bauman que tem se dedicado ao estudo das vicissitudes da modernidade e da pós-modernidade. Em um livro intitulado Vidas desperdiçadas, Bauman problematiza a condição de seres humanos que, literalmente, sobram no mundo contemporâneo. Apresenta, então, o conceito de “refugo humano” para se referir a essas pessoas. Posso garantir que ninguém sai ileso da leitura desse texto.

Quando os meios de comunicação de massa noticiaram na semana passada a absurda morte de um menino de 11 anos no Lixão de Maceió, esmagado por um trator enquanto dormia numa montanha de lixo, depois de uma exaustiva noite de busca por algo que se aproveitasse em meio àquela imundície, imediatamente lembrei de Bauman. Sim, há seres humanos que são confundidos com lixo no mundo contemporâneo. São milhões e milhões de pessoas invisíveis que sobram porque estão à margem do mínimo necessário para que sejam reconhecidas como seres humanos. O caso dessa criança tem um duplo impacto sobre nós: real e simbólico. Real porque se trata de uma morte brutal, de uma vida ceifada pela violência da exclusão social. Simbólica porque aquela criança compunha a cena do lixão. Estava no lixo e, portanto, era refugo humano.

É claro que o atropelamento foi um acidente. Imagino o sobressalto do condutor do trator ao perceber a lamentável situação. No entanto, a presença daquele menino e de tantas outras crianças e adultos no lixão de Maceió não é algo acidental. Se estão ali é porque não têm lugar em outros espaços sociais. Encontram a sobrevivência naquilo que a sociedade mais despreza. Em cadeia nacional, a televisão mostra que no mesmo dia em que o menino é enterrado, outras crianças voltam a passar a noite catando restos nas montanhas do lixão. A rotina é retomada e o episódio do menino confundido com o lixo logo será esquecido. Sobre as montanhas de lixo continuam a transitar, invisíveis, montanhas de refugo humano.

Publicado na Gazeta de Alagoas em 15/08/2009 (http://gazetaweb.globo.com/v2/gazetadealagoas/texto_completo.php?cod=151327&ass=37&data=2009-08-15)

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Consciência zero

Nos últimos dias tenho me deparado com diversas demonstrações de desrespeito ao espaço público. Numa manhã de sexta-feira, em meu caminho diário à universidade, avisto uma pickup de pequeno porte parada sobre o canteiro central da Avenida Durval de Góes Monteiro, no sentido Tabuleiro-Farol. Meu primeiro pensamento é de que se trata de alguém com o carro quebrado, precisando de socorro. Engano meu. Ao passar mais perto percebo que, sem o menor constrangimento, um homem, vestindo a farda de uma empresa, despeja restos de madeira sobre a grama do canteiro. Quando termina seu cuidadoso trabalho, bate as mãos para limpar a poeira, entra no carro e vai embora. Sigo meu caminho imaginando o que se passa pela cabeça daquele sujeito que faz do canteiro de uma das principais avenidas da cidade de Maceió um depósito de lixo. Retornando para casa, no mesmo dia, olho o canteiro com atenção e percebo que a madeira já não está mais lá. No entanto, aquela cena não sai do meu pensamento. Enquanto dirijo, sigo matutando sobre as (in)capacidades humanas e sou surpreendida por uma outra demonstração de desprezo às vias públicas: da janela de um luxuoso carro é lançada uma embalagem de biscoito, que dança de acordo com a música do vento e cai bem no meio da faixa de rolamento. No dia seguinte, vejo alguém de dentro de outro carro lançar uma lata de cerveja pela janela. Ainda cheia do líquido que carrega, a lata sai ricocheteando pelo asfalto, entre um carro e outro, ladeira abaixo. Minutos depois, ao me dirigir a um caixa rápido, percebo que no espaço destinado aos envelopes de depósito há um copo descartável violentamente empurrado, com o claro propósito de inviabilizar o uso da máquina. Custo a acreditar na cena e saio me perguntando o motivo de tanto vandalismo.
Minha imaginação fértil me leva a pensar que essas pessoas talvez sejam as primeiras a cobrar dos que fazem o poder público um cuidadoso trato com a coisa pública. A cobrança, em si, não está errada e deve mesmo existir, pois é democrática em sua essência. O que certamente não passa pela cabeça desses indivíduos é que a cidadania é uma via de mão dupla, que nos coloca diante de direitos e obrigações. Afinal, como exigir respeito à coisa pública quando muitos cidadãos não têm consciência de que cada um de nós tem sua parcela de responsabilidade?
Publicado na Gazeta de Alagoas em 04/08/2009 (http://gazetaweb.globo.com/v2/gazetadealagoas/texto_completo.php?cod=150727&ass=37&data=2009-08-04)