sábado, 16 de agosto de 2008

Feminismo em Portugal


A grande surpresa de minha viagem a Portugal foi tomar conhecimento de que, naquela semana, estava acontecendo o II Congresso Feminista de Portugal, na Fundação Calouste Gulbenkian, que fica na mesma avenida onde se localiza a Universidade Nova de Lisboa. Sem titubear, inscrevi-me no evento e pude assistir algumas conferências e palestras. Como pesquisadora da área de gênero, o evento caía como uma luva para mim. O detalhe que encheu aquela situação inusitada de encanto foi o fato de que o espaço da Fundação, com salas de conferência, livraria, mostras de artes plásticas e restaurantes, é rodeado por bosques com árvores polinizadas, que exalavam um perfume maravilhoso. Dentro dessa atmosfera bucólica, procurei, na programação do evento, temas que me interessavam, já que havia conferências simultâneas. Assisti, então, a uma mesa redonda cujo tema era a prostituição e o tráfico internacional de mulheres. Dentre as palestrantes, uma professora brasleira, da UnB. O debate foi acirrado, sobretudo porque não é fácil chegar a um consenso acerca da prostituição feminina. Enquanto algumas defendiam a atividade como um direito da mulher, outras enfatizavam a indignidade da venda do corpo, principalmente quando isso aparece como único meio de sobrevivência. Dentre as informações compartilhadas, a que mais me deixou triste, embora não surpresa, foi a de que o tráfico de mulheres para fins de prostituição na Europa é basicamente formado por brasileiras, aliciadas com promessas de altos salários em euros. Saí dali encantada com o nível da discussão e cheia de idéias na cabeça. Mal sabia que o mais interessante ainda me aguardava... No maior de todos os auditórios iria acontecer uma mesa redonda formada por 10 das principais feministas de Portugal (foto ao lado), de várias gerações, muitas delas contemporâneas de Sinome de Beauvoir, a primeira grande intelectual dedicada à questão feminina. Antes do maravilhoso debate que ali ocorreu, houve um pequeno concerto de música clássica, com dois violinistas e uma pianista. Foi a preparação para o que viria logo depois: uma mostra de fotos das feministas européias de todos os tempos, com especial destaque às portuguesas. As fotos foram apresentadas no mais absoluto silêncio, que concedeu àquele momento um tom de respeito e reverência às mulheres que romperam o paradigma da política masculina dominante e inauguraram as diversas frentes de luta pela igualdade e pela dignidade feminina. A cada nova foto, uma salva de palmas, sobretudo quando se tratava de fotos antigas de algumas das feministas ali presentes. Foi um momento especial e inesquecível. Senti-me muito próxima àquelas mulheres, mesmo estando ali sozinha, em meio a dezenas de desconhecidas. É que a questão feminina, embora permeada por variáveis culturais, é marcada pela universalidade da dimensão sexuada da vida humana. Impossível fechar os olhos para isso.


2 comentários:

Raquel Pedrosa disse...

Cunhada (feminista), essa questão da prostituição da pano pra manga. Acredito que todos tem o direito de fazer o que quiser com o próprio corpo, é a tal história do livre arbítrio, mas eu não sou a favor de levarem mulheres, prometendo uma coisa e limitarem a outra, isso já é escravidão. Isso sim deve ser combatido!

Fica ai minha opinião.

Elaine Pimentel disse...

Kel, a coisa é mais complexa do que se pensa. A noção de livre arbítrio, tão pensada pela filosofia, guarda em si o grande paradoxo das possibilidades: escolher diante de que oportunidades? Existem associações de prostitutas que se afirmam felizes com a atividade que desenvolvem. Outras, por sua vez, se sentem "sem saída". De toda forma, concordo com você: a exploração sexual de mulheres (ou de crianças) é abominável e consiste, sim, em uma das piores formas de escravidão. Gostei da sua opinião!