quarta-feira, 30 de julho de 2008

Maioridade do ECA

No dia 13 de julho o Estatuto da Criança e do Adolescente, conhecido como ECA, completou 18 anos de existência. A maioridade do ECA nos impulsiona a refletir sobre os avanços vivenciados na área da proteção da infância e da juventude no Brasil. Primeiro, é preciso reconhecer que o ECA teve o condão de modificar o tratamento dado a crianças e adolescentes, sobretudo porque ampliou a esfera de atuação preventiva e protecionista do Estado e da sociedade civil. Conseqüência direta da redemocratização proporcionada pela Constituição Federal de 1988, o ECA revogou o antigo Código de Menores, rompendo, assim, com o autoritarismo típico dos períodos ditatoriais vivenciados pelo Brasil. Foi considerado, então, uma lei progressista, que tornou possível a instituição de uma cultura de proteção integral à criança e ao adolescente, já instituída pela Constituição. Mesmo com muita resistência dos setores conservadores do cenário político e da sociedade civil brasileira, o ECA foi responsável por diversos avanços, tanto em aspectos processuais, quanto materiais. Processualmente, passa-se a utilizar os princípios constitucionais básicos, como o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório, na defesa de crianças e adolescentes autores de atos infracionais. Com isso, minimizam-se as possibilidades de adoção de medidas arbitrárias, tão comuns durante a vigência do Código de Menores. Materialmente, estabelecem-se medidas de proteção, com o propósito de garantir o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. Assim, o ECA impôs o reconhecimento de crianças e adolescentes como sujeitos de direitos. No entanto, há, ainda, um grande fosso entre a previsão legal e a realidade dos fatos, no Brasil. Estamos longe de uma condição satisfatória de acesso ao mínimo básico para uma vida digna e um futuro promissor para crianças e adolescentes pobres e marginalizados. Além disso, também toleramos situações absurdas como o trabalho infantil, a exploração sexual e a atuação de grupos de extermínio. O problema é que, se houve avanços no sistema legal, ainda não os alcançamos nas ruas, nos bairros e nas comunidades. Mais uma vez, amparo-me nas lições do saudoso Norberto Bobbio, em A Era dos Direitos: “O problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político”. O nosso desafio, portanto, é fazer do ECA uma realidade no cotidiano de crianças e adolescentes brasileiros.
Publicado na Gazeta de Alagoas, em 17/07/2008.

Um tributo a Chiquitita



Não, não se trata de um tributo àquela novela mexicana que fez sucesso entre a criançada nos anos 90. Minha homenagem aqui é à Chiquitita, grande companheira durante um ano de solidão (e aqui fica a minha saudação a Gabriel Garcia Marquez), quando pagava créditos do doutorado, em Recife. Chiquitita é a gata da minha Tia Biuzinha, em destaque na foto ao lado (a gata, não a Tia). Pensei em escrever sobre ela depois que finalizei o post anterior, que trata da solidão acadêmica. Afinal, Chiquitita estava sempre comigo nas horas de estudo em casa. Às vezes ela subia nas apostilas e eu podia jurar que estava interessada em Talcott Parsons, Michel Foucault ou Pierre Bourdieu. Essa gata é praticamente uma socióloga, pensava eu. Certo dia, ao chegar em casa em companhia de uma terrível dor de cabeça, adormeci e esqueci de fechar a porta. Sim, porque Chiquitita tem pouca noção de limite: invade todos os ambientes. Sabe aquelas sensações que não se explicam? Senti uma "presença" e abri os olhos. Que susto! A gata estava cheirando o meu rosto. Dei um grito tão grande, que ela pulou longe. Aí comecei a brigar com ela, como se fosse gente. Um verdadeiro sermão. Só depois que o coração desacelerou um pouco é que pude me dar conta de que não haveria interlocução ali, já que dentro de casa estávamos somente eu e a gata. Eu tentava mostrar para ela, com palavras, que não se dá susto em ninguém. Hoje tenho certeza de que ela não assimilou nada do que falei. Mas, como acredito na cura pela fala, penso que aquilo tudo foi o remédio adequado para curar, pelo menos, a minha dor de cabeça. Com o susto, esqueci da enxaqueca. E Chiquitita continua nonsense.

terça-feira, 29 de julho de 2008

Vicissitudes da vida acadêmica

Toda profissão tem seus encantos e peculiaridades. A opção pela vida acadêmica, em particular, leva ao mergulho em um mundo muito interessante, de debates e diálogos, de enfrentamentos e exposições. Em outras palavras, é um constante "dar a cara a tapas". Nesse universo é possível conhecer as chamadas "variações sobre o mesmo tema" (isso me lembra uma música dos Engenheiros do Hawaii...), ou seja, perceber que há olhares distintos sobre o mesmo objeto. Aqui se encaixa a metáfora da "perspectiva", conceito tão presente entre os arquitetos e os desenhistas. O meu ponto de vista não tem que ser (e nem pode ser) absolutamente igual ao seu. E isso torna a vida muito mais interessante. Por outro lado, a possibilidade de diálogo com outras áreas do conhecimento permite uma compreensão global daquilo que se estuda. Ciências sociais, humanas e exatas se entrelaçam constantemente, de forma a justificar a naturza dialética do conhecimento. Mas a vida acadêmica tem um outro outro lado: a solidão. Não é fácil lidar com a solidão de uma pesquisa, que pressupõe horas e horas de leitura, compilação de dados e redação. É claro que se trata de uma solidão diferente, já que, paradoxalmente, o pesquisador está muito bem acompanhado. Afinal, livros são excelentes companheiros. O fato é que o período de solidão acadêmica é bastante salutar e o seu resultado - a pesquisa finalizada - é algo muito especial para o pesquisador. Assim aconteceu com o meu Mestrado. Espero que a solidão do Doutorado desemboque no mesmo mar.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Meu bairrismo em "Mulheres do Brasil"

O filme Mulheres do Brasil foi uma grata surpresa para o meu fim de semana. Ali estão reunidas histórias de vida de brasileiras de diversas origens, enfatizando dramas, sonhos e paixões. Há uma interessante ponta de humor em cada narrativa, mas o toque especial fica por conta do misto de ficção e documentário, já que apresenta depoimentos reais daquelas que poderiam ser as personagens da ficção: componentes de escolas de samba do Rio de Janeiro, prostitutas do Rio Grande do Sul e, o que mais me encantou, rendeiras do Pontal da Barra, em Maceió. Não esperava um destaque tão forte ao cotidiano das rendeiras de filé e ao folclore local. O cenário são as belas paisagens da Lagoa Mundaú e as praias de Ponta Verde e Pajuçara. É sempre muito bom ver a minha terrinha em destaque pelo que há de belo e rico em termos de paisagem e cultura. Vale a pena conferir!

sábado, 26 de julho de 2008

A vida agradece

Um mês após a entrada em vigor da Lei Seca, que pune com mais severidade o motorista que houver ingerido qualquer quantidade de bebida alcoólica, temos muito a comemorar. As estatísticas demonstram uma redução de cerca de 63% em casos de acidentes de trânsito no Brasil. Em outras palavras, muitas vidas salvas a cada dia.A alteração do Código de Trânsito Brasileiro pela Lei Seca assustou muitos motoristas e causou grande impacto na população. Está proibido o consumo de bebida alcoólica? Não. O que se proíbe, acertadamente, é a perigosa combinação do álcool com a direção de automóveis. Não se trata, portanto, de uma censura de caráter moral, mas de uma limitação com fundamentos técnicos. O que está em jogo é a capacidade do motorista de guiar com segurança, sem colocar em risco a vida de transeuntes, de outros motoristas e a sua própria vida. Quer beber? Fique à vontade, mas vá de táxi, de carona com um abstêmio ou a pé. Leis que estabelecem interditos aos indivíduos sempre causam estranheza e resistência. É natural. Afinal, como afirma Jean-Paul Sartre, o homem está condenado a ser livre. Mas há aqui um porém: liberdade pressupõe responsabilidade e respeito aos outros. Não é possível que, em nome da liberdade, permaneçamos em estado de vulnerabilidade no trânsito, testemunhando silenciosamente acidentes que ceifam milhares de vidas.Muitos questionam se a Lei Seca não seria a ponta do iceberg da implementação de um sistema de tolerância zero semelhante ao modelo norte-americano. Penso que não. Embora todo recrudescimento da lei deva ser bastante criterioso, sobretudo em um País como o Brasil, marcado pela desigualdade social, é preciso separar o joio do trigo. Uma coisa é criar políticas públicas xenofóbicas ou que encontrem fundamento na marginalização da pobreza, a exemplo da imposição da Lei Seca exclusivamente em bairros pobres da capital alagoana, sob o argumento de redução da violência. Outra coisa é contribuir para uma mudança de hábitos no trânsito, com o intuito de proteger a integridade física da população. São situações distintas e isso precisa ficar bem claro. O fato é que as novas regras de trânsito já provocaram algumas mudanças interessantes e demonstram a criatividade do povo brasileiro. Bares e restaurantes disponibilizam carros e motoristas para seus clientes e esses, por sua vez, descobrem que taxistas podem ser bons companheiros para as noites regadas a álcool. Quem agradece é a vida.
Publicado na Gazeta de Alagoas, em 26/07/2008.

Artigos da Gazeta de Alagoas

Tenho contribuído semanalmente com artigos para o caderno Opinião, da Gazeta de Alagoas, jornal de maior circulação do nosso Estado. Por sugestão do meu amigo Sérgio Coutinho (maior incentivador da criação do meu blog), passarei a colocá-los aqui também, abrindo espaço para debates. Aguardo os comentários.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Sobre o silêncio

Estava pensando sobre o que escrever e eis que Sofia (uma das escritoras mais talentosas que já conheci) aparece no msn e começa a comentar a minha menção ao silêncio no post anterior. O que dizer do silêncio? Ele fala mais do que palavras e é permeado por entrelinhas tão interessantes... Além disso, nem sempre "quem cala, consente". Quem cala, fala. Já que "silêncio" lembra "vazio", recordo aqui aquela música de Chico Buarque: "É sempre bom lembrar que um copo vazio está cheio de ar". Prato cheio (!) para os psicanalistas.

Sobre o título do meu blog

A palavra "diálogo" passou a ter um significado especial para mim desde o dia em que ouvi um professor de semiótica ressaltando a natureza dialógica do ser humano. Ele tratava das estruturas monológicas (e inadequadas) das penitenciárias e explicava a importância dos espaços arquitetônicos para a plenitude do diálogo, que não se dá apenas através de palavras, mas de gestos, olhares e silêncios. Talvez aquilo tudo tenha me encantado porque focalizava a questão carcerária, que é tema da minha pesquisa de doutorado, ainda em andamento. Mas não foi só isso. A ênfase na nossa natureza dialógica me fez logo pensar em outras esferas também dialógicas da convivência humana, que estão diretamente relacionadas com minhas maiores inquietações (e paixões), como a arte e a cultura. Assim, sempre que penso na humanidade, penso em diálogos. Foi daí que nasceu o título do meu blog. Espero que tenhamos bons diálogos aqui!