quinta-feira, 4 de junho de 2009

A crueldade da dúvida







O misterioso desaparecimento do Airbus A330, da Air France, no Oceano Atlântico é a principal notícia da semana em todos os meios de comunicação de massa. As buscas continuam, aparecem os primeiros prováveis destroços, mas até agora ninguém pode afirmar, categoricamente, que aqueles destroços são do avião desaparecido. O local do suposto acidente torna a situação ainda mais delicada: no meio de águas profundas, com correntes marítimas fortíssimas e, ainda, com a possibilidade de que o avião tenha afundado. O governo francês admitiu, logo no segundo dia, que não havia esperanças de encontrar sobreviventes. No entanto, como não foi resgatado um corpo sequer, não se pode, ainda, afirmar a morte dessas pessoas. Uma tragédia, de fato.

Fico a pensar na situação dos familiares dos passageiros diante dessa dúvida. Ontem, os jornais noticiaram que os familiares brasileiros foram comunicados da chegada de um bote salva-vidas com prováveis sobreviventes na ilha de Fernando de Noronha. Comoção total, abraços, lágrimas... Alarme falso. Não havia botes, não havia sobreviventes. Frustração, desespero e dor. E se os corpos jamais forem encontrados? Como assimilar essas perdas? Será que viverão sempre na esperança de que seus familiares estejam perdidos em algum lugar no vasto Oceano Atlântico?


Essa situação me lembrou o filme A troca, protagonizado por Angelina Jolie. (Advinha quem é o diretor? Isso mesmo: Clint Eastwood!) No filme, a mãe busca desesperadamente seu filho desaparecido. A polícia apresenta uma criança, afirmando ser o filho desaparecido, mas a Mãe sabe que aquele não é o seu filho. Não vou contar detalhes da trama, mas enfatizo aqui a crueldade da dúvida. Mesmo quando as circunstâncias levam a crer que a pessoa desaparecida já está morta, há sempre um pouco de esperança de que, a qualquer momento, ela possa retornar.
Lembro desse filme quando vejo notícias sobre o desaparecimento do avião da Air France. Se é trágico perder parentes e amigos queridos em um acidente aéreo, mais cruel ainda deve ser não ter certeza da morte. Como será o luto para essas pessoas? Cessará um dia? Gostaria de ouvir a opinião das minhas amigas psicanalistas sobre isso...



4 comentários:

Thales Prestrêlo disse...

Ótima reflexão, Elaine!

E o impressionante é que ainda tem gente pra dizer que num sabe porque ainda estão procurando se já ta na cara que num sobreviveu ninguém!
É muita falta de sensibilidade e de algo melhor pra se falar!

Elaine Pimentel disse...

Pois é, Thales! Sensibilidade é virtude de poucos...Abraço!

Yara Amorim Souza Leão disse...

Como sempre, muito pertinente a sua reflexão.
Aceitei a convocação às "amigas psicanalistas" para comentar sobre este luto onde a morte não se presentifica a partir no corpo sem vida, e tornando-se uma cruel suposição.
A morte e todo o ritual que a acompanha é de extrema importancia para que se processe o luto. No velório somos convocados a ficar diante de um corpo marcado pela inexorabilidade da morte para que possamos nos despedir. A partir do ato do enterro registramos a dor e a solidão e vamos embora, caminhando em frente e iniciando o processo do luto. O luto como afirma Freud: "É uma reação à perda de alguém ou de algo." É um tempo em que o mundo externo perde muito do seu sentido,pois não comporta mais aquilo que se perdeu. Fazer o luto é muito doloroso, pois exige que, na certeza da não mais existência do "objeto" amado, toda libido seja retirada de suas ligações com o objeto de amor. É claro que há muita relutância em se dispor a tão grande desprazer, mas por outro lado, aceita-se, e pouco a pouco, quando o trabalho do luto se conclui fica-se livre e o mundo externo torna-se, novamente, cheio de graça e encantos.
Quando a morte é uma suposição, como no caso da tragédia do AF 447 ou do filme a "Troca"; o registro da morte como finalização, corte, ruptura, torna-se penosamente precário, pois não há a presença do corpo exigindo disposição para o luto, para a retirada da libido das ligações com objeto morto. Fica-se calcado no imaginário composto, ora, pelo excesso da libido e daí a cruel esperança, ora pela retirada da libido e daí a possibilidade dolorosa da certeza. Neste movimento extremamente penoso, o ego fica absorvido num processo de saber que algo foi perdido, mas sem saber exatamente o que, e nem saber o que fazer como isto.
Como vimos, não é fácil, mas cada sujeito tem uma maneira singular de lidar com as perdas, com as dores e com os lutos. Ficamos aqui, torcendo para que todos os que perderam seus entes queridos nesta lamentável tragédia,possam encontrar e enterrar seus mortos,e,se isto não for possível, que encontrem um caminho para ancorar a dor e se dispor ao luto.

Elaine Pimentel disse...

Obrigada por tão interessante reflexão, Yara. A morte é mesmo uma das grandes dores, mas também a maior certeza do humano. Nesse paradoxo, alguns preferem não vivenciar de frente esse processo, alegando que passar pelos rituais de velório e enterro é pior que tudo. Essa tragédia da AirFrance nos coloca diante de uma situação, de fato, mais complexa. Agora mesmo, que já acharam alguns corpos, aumentou nos familiares a esperança de encontrar sobreviventes. Até quando?