quinta-feira, 25 de junho de 2009

Heróis anônimos

23h do dia 24 de junho. Estou na frente do computador, trabalhando. Ouço gritos vindos da rua e imediatamente olho pela janela, do alto do meu quarto andar. Vejo, então, um corpo estendido no chão e uma mulher gritando e gesticulando desesperadamente. Jamais vi alguém tão desesperado. Fico tensa e corro para o telefone. 193 é o número que me vem à lembrança. Não sei se é Corpo de Bombeiros ou SAMU, só sei que é SOCORRO. Disco nervosamente e do outro lado da linha escuto um “clique”. Alguém atendeu, penso. Minha ansiedade me fez dizer “alô” antes da voz feminina que me responde calmamente com um “Corpo de Bombeiros, pois não”. Narro para ela o que vejo de minha varanda e peço ajuda, indicando o local exato do ocorrido. Na verdade, não sei se foi um acidente ou se foram tiros, facadas ou qualquer coisa. Só sei que tem um corpo estendido no chão. Ela me pergunta se o corpo se mexe. Minha miopia não me deixa ver com precisão. Os gritos da mulher desesperada continuam. Sinto minhas pernas tremerem e afirmo para a minha interlocutora que tenho a impressão de que está inerte. Ela registra a ocorrência. Desligo o telefone sem me lembrar das últimas palavras dela. Será que ela acreditou em mim? Afinal, são tantos trotes que eles recebem...

Volto para a varanda e começo a rezar para que o socorro chegue logo. Os gritos desesperados continuam e começa a juntar gente no local. Chega uma viatura da Polícia. Não sei se é Civil ou Militar. Minha miopia, mais uma vez, me confunde. Mas ver a viatura já é um alívio. Começa uma pequena confusão ao redor do corpo estendido e ouço mais gritos da mulher desesperada. “Ele está sangrando!!!”, diz ela. Os policiais levam um homem sem camisa em direção à viatura. Por que terá sido preso? Um binóculo me ajuda a ver melhor, mas não perfeitamente. Vejo também que o homem estendido no chão mexe as pernas. Sinto um certo alívio, mas me pergunto: cadê os Bombeiros??? Nesses momentos, minutos são horas...
23:10h, toca o telefone da minha casa. “Foi daí que fizeram um pedido de socorro?”, questiona a mesma voz feminina. Eu respondo com pressa: SIM. Informo que tem um carro da Polícia no local e que o corpo continua estendido no chão. Ela pergunta meu nome, agradece e diz que o socorro está a caminho. Mais 10 minutos e escuto uma sirene. Alívio: ela acreditou em mim. Primeiro eles avaliam a cena e os feridos. Começam, então, os procedimentos de socorro. Uma mulher é levada para a ambulância dos Bombeiros. Caminha com dificuldade, mas caminha. Nada grave, penso. Mais alguns minutos, chega a SAMU. Alguém deve ter chamado. Eram três feridos, na verdade. A miopia é fogo. Nem binóculo dá jeito.
Começo a ficar mais calma e não perco um detalhe da operação. Vejo o zelo com que os profissionais do Corpo de Bombeiros e do SAMU tratam os feridos e fico emocionada. Tudo é sincronizado. Serviço de qualidade, raro no serviço público. Lembro que um aluno meu atua nesse serviço dos Bombeiros e me questiono: estará ali, socorrendo mais essas vítimas? O homem estendido no chão é imobilizado e levado para a ambulância. Mais alívio para mim. Ele não vai morrer, penso. Em cerca de meia hora os feridos são atendidos e as ambulâncias seguem com suas sirenes ligadas, certamente em direção ao Hospital Geral. O pequeno aglomerado de pessoas aos poucos se desfaz e uma chuva fina começa a cair. Respiro fundo. Acabou. O carro da polícia permanece no meio da rua, com as luzes piscando. Continuo sem saber o que aconteceu ali, mas isso já não importa. Afinal, o socorro chegou.
Sinto-me aliviada por ter proporcionado, ainda que indiretamente, aquele socorro. Pode parecer pretensioso, mas, não sei porque, tenho a convicção de que testemunhar os gritos daquela mulher e ver o corpo estendido no chão antes que outras pessoas o vissem tornou-me responsável por aquelas vidas.
Penso nos profissionais que passam suas madrugadas e seus dias socorrendo pessoas feridas e sinto orgulho deles. Tenho convicção de que são heróis anônimos, escondidos atrás das fardas. São mulheres e homens vocacionados para o socorro, prontos para o próximo desafio. Corajosos como poucos. Volto ao telefone e disco novamente 193. Gostaria de agradecer por terem atendido ao meu pedido e de dizer para eles o quanto admiro o trabalho que desenvolvem. A linha está ocupada. Tento novamente: ocupada. Deve ser outra ocorrência a caminho. Não vou ocupar a linha, penso.
A inquietação não me deixa sossegar. Dormir agora? Impossível. Resolvo escrever estas linhas, registrar o que vivenciei. Fato corriqueiro para alguns, cidadania para mim e para aquelas vítimas. Agora já são 01:18h do dia 25/06. Vou dormir, pois o cansaço me vence, mas sinto que sou um pouco mais cidadã que antes. E isso fica marcado na minha história.

8 comentários:

Jomery Nery disse...

Elaine,
tenho um amigo que trabalha do corpo de Bombeiros e é realmente vocacionado a salvar vidas, mesmo se muitas vezes o Estado não dá as devidas condições para a realização de um trabalho satisfatório. A sua narrativa é ótima, prende a atenção do leitor e transmite seu sentimento, mas o que achei interessante foi que, ao contrário dos curiosos, vc permaneceu na surdina de seu apartamento. Esse fato te deu mais clareza para interpretar com o coração o que estava acontecendo, sem se deixar contaminar pelo afã dos murmúrios populares.

Um beijo
Jomery

Ginha disse...

Olá Elaine,
Assim como vc admiro o trabalho do corpo de bombeiros e do SAMU. Fico indignada como algém pode passar trote ocupando o serviço que poderia salvar vidas enquanto são enganados!!!
Bjos
Ginha Lopes

Elaine Pimentel disse...

Sim, Jomery, nem pensei em descer para ver de perto. Eu tinha a convicção de que ajudaria mais pedindo socorro do que me agregando aos curiosos.

Beijos.

Elaine Pimentel disse...

Pois é, Ginha. Como meu Pai sempre dizia: "Tem, gente pra tudo no mundo", até para passar trote para esses serviços e socorro...

Beijos!

Eulina Costa disse...

Elaine minha filha,como me orgulho de vc,podem me chamar de mãe-coruja,mas não posso calar diante de suas grandes atitudes,especialmente em relação ao ser humano,quer seja conhecido ou desconhecido,eu sei que muitas vezes, vc se esquece de si mesma para atender ao próximo,como Deus lhe ama por essas coisas do coração/razão que lhe é tão peculiar, segundo meu conhecimento, desde pequenininha.Muito emocionante sua narrativa e porque não dizer,comovente.Gosto de saber como vc reconhece o trabalho das pessoas vocacionadas,no caso a precisão e dedicação dos integrantes do Corpo de Bombeiros e SAMU.Parabens para vc e para eles,foi uma grande interação.Aproveito para comentar que amei o seu artigo na Gazeta de Alagoas de hoje.Muitos beijos da mamãe que lhe ama e admira muitooooooooooo.

Madalena Sofia Galvão Viana disse...

Vou mostrar seu texto ao meu namorado, que é do Corpo dos Bombeiros, ele vai gostar.
De fato são heróis que não têm horários, nem madrugadas para dormir, nem seca, nem temporal. É muito bonito esse ofício, eu, particularmente, tenho maior orgulho!! O hino deles diz uma frase assim: "... mas não teme a morte os bombeiros... (...)" "Vidas alheias e riquezas salvar".
Bjokas,
Sofia

Thales Prestrêlo disse...

Que bom que deu tudo certo! :)

Humberto disse...

Estou muito orgulhoso pela sua atitude e pela narrativa, que realmente prende a atenção...
Bjs